Por Claudia Borges 04 ago 2014 - 18h 45
Muitas coleções de bibliotecas precisam de equipamentos especiais para serem observadas, tais como luvas e salas climatizadas, para proteger os itens de possíveis agressões (involuntárias ou não) do visitante. Porém, nas coleções pertencentes a Pierre e Marie Curie na Biblioteca Nacional da França, acontece o contrário: quem deve ser protegido é o visitante.
Isso porque depois de mais de 100 anos, muito dos materiais de Marie Curie — seus papéis, cadernos, seus móveis e até mesmo seus livros de receitas — ainda são radioativos. Aqueles que desejam abrir as caixas revestidas de chumbo com seus manuscritos devem fazê-lo em roupas de proteção e só depois de assinar um termo de responsabilidade.
Breve histórico
Nascida Maria Sklodowska, em 7 de novembro de 1867, em Varsóvia, Polônia, Marie Curie foi a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel e a única a ser contemplada em dois campos diferentes (física em 1903 e química em 1911).
Os estudos de Curie, com seu marido Pierre Curie, levaram à descoberta dos elementos químicos polônio e rádio e, após a morte de Pierre, o desenvolvimento dos raios-X. Ela morreu de leucemia em 4 de julho de 1934, doença decorrente da exposição maciça a radiações durante o seu trabalho.
O amor pelo estudo da radiação
Em 1891, Curie saiu de Varsóvia a caminho de Paris, onde deu continuidade a seus estudos na Universidade de Sorbonne. Curie completou seu mestrado em física em 1893 e ganhou outra licenciatura em matemática no ano seguinte. Nessa época, ela recebeu uma comissão para fazer um estudo sobre os diferentes tipos de aço e suas propriedades magnéticas.
Ela precisava de um laboratório para trabalhar e um colega apresentou-a ao físico francês Pierre Curie. Inevitavelmente o romance surgiu e eles se tornaram uma dupla dinâmica científica. Junto com seu marido e colaborador, Pierre, Marie Curie viveu sua vida inundada de radiação ionizante.
Ela carregava recipientes de polônio e rádio no bolso de seu casaco e os armazenava em sua gaveta de mesa de trabalho. Em seu livro de 2008, "Os Anos da Vertigem: Europa, 1900-1914" o historiador Philipp Blom cita notas autobiográficas de Marie Curie, nas quais ela descreve as misteriosas luzes azuis e verdes em seu laboratório:
"Uma das nossas alegrias foi adentar em nossa sala de trabalho à noite. Nós então percebemos por todos os lados as silhuetas fracamente luminosas dos frascos de cápsulas contendo nossos produtos. Foi realmente uma bela visão e uma novidade para nós. Os tubos brilhantes pareciam luzes de fadas".
Porém, os materiais nos tubos faziam mais do que estimular os sentidos, eles eletrizavam o próprio ar. Tanto que Pierre construiu uma câmara com um eletrômetro que media as correntes elétricas fracas. Quando ele levou os tubos luminescentes próximos da câmara, o ar de dentro se dividiu em íons positivos e negativos, criando uma corrente elétrica fraca.
A dupla chamou esse fenômeno de "radioatividade", que, além de ser uma nova forma de energia, demonstrou que os átomos (que se pensava ser a menor constituição possível da matéria) poderiam emanar partículas ainda menores. E o tempo todo, os Curie foram involuntariamente doando seus corpos para a ciência.
E os papéis de Marie?
Após a sua descoberta, todo mundo presumiu que algo tão enérgico como a radiação só tinha de ser benéfico. A indústria em seus diversos campos passou a fabricar produtos radioativos, desde pasta de dentes até laxantes, medicamentos e bebidas. Até que apenas em 1938, uma lei proibiu tais produtos, mas já era tarde demais para muita gente.
Hoje em dia, a radioatividade é muito melhor compreendida. Além das aplicações conhecidas em medicina e energia nuclear, materiais radioativos são usados para esterilização, para calcular a idade de materiais orgânicos e muitos outros usos que não oferecem perigo a nossa saúde por serem rigidamente e seguramente controlados.
No entanto, a radioatividade presente nos papéis e cadernos de anotações de Marie vai continuar na ativa por um longo tempo. Isso porque o isótopo mais comum de rádio, o rádio-226, tem uma meia-vida de 1.601 anos. Então, se você um dia visitar a Biblioteca Nacional de Paris para conferir esse material, com certeza vai precisar do traje especial de proteção.
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