31.08.2014
Em agosto e setembro, deputados recebem subsídios normalmente, mas trabalham só uma vez por semana
Dos 46 deputados do Ceará, 39 disputarão algum cargo nestas eleições, seja para a própria Assembleia Legislativa ou para a Câmara Federal. Após aprovarem um recesso branco na campanha eleitoral, a Casa só está realizando uma sessão semanal. Um cálculo simples revela que as 26 faltas dos parlamentares em agosto e setembro - incluindo subsídio dos deputados e verba de gabinete - somam ao menos R$ 3,2 milhões em dias não trabalhados e dedicados exclusivamente à campanha.
Na prática, os legisladores recebem integralmente os recursos a que têm direito para exercer o mandato e estão liberados de três das quatro sessões semanais da Assembleia. Mesmo assim, algumas das terças-feiras reservadas para a aprovação de matérias têm sido esvaziadas por falta de quórum. Para cientistas políticas ouvidas pelo Diário do Nordeste, o prejuízo é ainda maior se contabilizado o aparato da máquina pública usado em benefício próprio, como combustível e outros gastos.
Hoje, todos os deputados estaduais do Ceará recebem R$ 20.042,35 de subsídio por mês, além de aproximados R$ 27 mil para dar suporte ao mandato parlamentar, como transporte, publicações, comunicação e contratação de assessoria técnica. Dos 35 dias que deveriam cumprir jornada de trabalho na Casa nos meses de agosto e setembro, 26 foram dispensados.
Benefícios
A cientista política Rita de Cássia Biason, do campus de Franca da Universidade Estadual Paulista (Unesp), explica que os parlamentares já saem com vantagem frente aos demais candidatos por terem benefícios do Legislativo à sua disposição. "Eles têm uma vantagem, mas pior do que isso é o nome dessa vantagem, que é o clientelismo institucional", declara a especialista, que também é coordenadora do Centro de Pesquisas e Estudos sobre Corrupção, vinculado à Unesp.
"Todos esses instrumentos são usados pelo deputado estadual para fortalecer a campanha deles, tudo sendo pago pelo contribuinte. Ele cria uma base e volta para essa base. Esse afastamento leva até a clientela dele para garantir a reeleição", acrescenta Biason. "O pior cenário é o do deputado estadual que fica dentro da Assembleia Legislativa e utiliza tudo que dispõe para se eleger. Ele requenta projetos de coisas sem utilidade em nome dessa reeleição", elucida.
A pesquisadora defende que se limite a reeleição para os cargos do Legislativo e o afastamento dos parlamentares que postulam cargo no pleito, sem direito à remuneração. "Até entendo que algumas lideranças se dediquem à atividade política, mas você cria um nicho de clientela e de obtenção de favores", alega. "Quem está concorrendo fora do processo tem chances mais escassas, porque não tem estrutura para conseguir recursos para a campanha", completa.
Mobilização popular
A professora Rita de Cássia Biason diz acreditar que mudanças na legislação eleitoral só serão aprovadas por meio de mobilização popular, considerando que os parlamentares não legislarão contra os interesses pessoais. A opinião da especialista se estende à votação da reforma política, que, apesar de ser discutida há anos no Congresso Nacional, nunca chegou efetivamente a ser colocada em pauta.
A despeito do trabalho reduzido na Assembleia Legislativa cearense, tem faltado disposição dos deputados estaduais em comparecer à Casa. No mês de agosto, uma sessão teve de ser remarcada duas vezes devido à ausência de parlamentares no plenário 13 de Maio, sem contar o cancelamento da primeira sessão deste segundo semestre - em 1º de agosto - também pela falta de quórum.
A professora de filosofia política Mirtes Amorim, da Universidade Federal do Ceará (UFC), afirma que o beneficiamento de candidatos da máquina pública ocorre tanto no poder Legislativo como no Executivo. Ela apoia a limitação de reeleição para os cargos legislativos - que são os de vereador, deputado estadual, deputado federal e senador - e fim da reeleição para o Executivo: prefeitos, governadores e presidente da República.
"O último ano de Governo (no primeiro mandato), seja no poder municipal, estadual ou federal, termina se envolvendo com a campanha e mistura tudo. Esse exercício dá vantagem diante de outros candidatos. Ele (gestor) tem uma exposição na mídia". A especialista completa: "por mais que se tenha a legislação eleitoral, por ser alguém que detém o poder, não dá para distinguir o que é campanha e o que faz parte do exercício".
Conchavos
Pela legislação eleitoral, os gestores que tentam a reeleição só podem fazer campanha fora do horário do expediente. Mirtes Amorim opina que o mandato dos cargos executivos deveria ser de cinco anos, sem reeleição, para fortalecer projetos partidários, em vez de conchavos para assegurar a manutenção do poder. "Se quisesse dar continuidade ao projeto, poderia apoiar um correligionário, porque seria um projeto maior do que o individual", reforça.
Para a cientista política, essas medidas impediriam a disseminação da figura do político profissional, aquela liderança que faz da trajetória política um meio de vida. "Isso é muito ruim para o poder. O problema da reeleição é esse. Deveria ser obrigatório o cumprimento do horário (refere-se a deputados estaduais). Se quiser tirar licença (na campanha eleitoral), que seja sem remuneração", aponta.
Lorena Alves
Repórter
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