domingo, 3 de agosto de 2014

Por que não somos todos bonitos?

Fonte: http://www.opovo.com.br/
03/08/2014

José Evangelista

angel888@terra.com.br





Narciso, de Caravaggio, personagem da mitologia grega que se apaixonou pela própria imagem

Supostamente, a seleção natural deveria promover a sobrevivência de machos fortes e saudáveis e fêmeas atraentes e férteis. Depois de um número finito de gerações, todos seriam belos. No entanto, basta olhar ao redor, ou, talvez, no espelho, para constatar que a coisa não é bem assim.

Pois bem, antes de contar o que a ciência tem a dizer acerca desse aparente paradoxo, repasso a opinião de um amigo meu sobre as diferenças dos comportamentos entre os sexos. Nada de pesquisa comprovada, só um palpite jocoso. Diz ele: “Noite de sexta, o homem se prepara para caçar mulher. Põe desodorante, bochecha desinfetante bucal, veste roupa nos trinques e sai para a balada. Chance de sucesso: uns 2%, se muito. Já a mulher, se está mesmo a fim, não precisa de nada disso para se dar bem”.

As leitoras talvez discordem dessa conjectura, mas, como veremos a seguir, ela tem alguma base nas observações da ciência.

Segundo a bióloga evolucionista Katharina Foerster, da Universidade de Edimburgo, que observou o comportamento de cervos selvagens, machos precisam competir durante quase a vida toda, para ganhar fêmeas e não investem nada na manutenção dos filhotes. Já as fêmeas só precisam se preocupar com sexo durante o tempo fértil, pois logo que tiverem cumprido seu dever evolutivo podem se dedicar em tempo integral aos cuidados da prole. É evidente que há uma assimetria entre os interesses e prioridades de machos e fêmeas. As pressões seletivas são divergentes e genes envolvidos na reprodução podem ter efeitos diferentes para cada sexo.

A bióloga estudou e acompanhou mais de oito gerações de cervos na Escócia, durante cerca de 30 anos, observando comportamentos e fazendo análises genéticas. O que viu foi um padrão inesperado: machos mais prolíficos tinham filhas que produziam um número de descendentes abaixo da média. Machos menos dotados (os “feios”, digamos) tinham filhas que geravam o número maior que a média de filhotes.

A explicação para esse fato, segundo a cientista, pode estar nos genes envolvidos na reprodução. Em sexos opostos, esses genes poderiam trabalhar uns contra os outros, no que se chama de “antagonismo sexual”. Isto é, o mesmo gene que leva a um macho sexualmente bem sucedido pode acabar produzindo fêmeas menos férteis.

Um gene cujo efeito é diminuir a fertilidade das fêmeas, em princípio, deveria ser eliminado pela seleção natural, pois o número de portadoras desse gene tenderia, obviamente, a diminuir a cada geração. Entretanto, esse mesmo gene pode ser benéfico de algum modo aos machos, aumentando, por exemplo, seu desempenho sexual. É aí que reside o tal antagonismo. Mesmo sendo prejudicial à fertilidade das fêmeas, o gene não é eliminado porque beneficia os machos, de alguma forma.

Além disso, esse gene antagonista tem que residir em um cromossomo X. Como é sabido, fêmeas possuem dois cromossomos X e machos possuem um cromossomo X e outro Y. Se o gene antagonista estivesse no cromossoma Y não poderia influenciar as características de fertilidade das fêmeas, como foi observado pela bióloga.

Qual seria a utilidade evolucionária desse curioso antagonismo? A cientista acha que pode ser uma estratégia da seleção natural para manter ou ampliar a diversidade genética. Em termos mais mundanos, todo mundo ser bonito e bem dotado pode não ser vantajoso para a espécie. Isso parece ser verdade para os cervos escoceses, mas ainda não se sabe se vale para os humanos.

As pressões seletivas são divergentes e genes envolvidos na reprodução podem ter efeitos diferentes para cada sexo

Em defesa dos feios
Hoje em dia, as chamadas “minorias” são protegidas por leis e cotas de vários tipos. Entretanto, existe uma parcela de gente que, aliás, nem é minoria, mas que é completamente desamparada e não goza de nenhum privilégio, por menor que seja. São os feios.

Os feios não aparecem nas novelas nem nas propagandas e costumam ser preteridos nas entrevistas para emprego. E essa lamentável discriminação não parece que vai desaparecer no futuro próximo. A julgar pelos adesivos dos candidatos que nos assediam, todos têm belos dentes e nenhuma ruga. É provável, portanto, que esse contingente de cidadãos continue sem representantes.

Torna-se urgente que se tome alguma providência para corrigir essa flagrante injustiça. Proponho a criação de uma ONG dedicada a proteger os banguelas e os carecas, os tortos e os narigudos, os cambotas e os zambetas. Que se lance um grande movimento com direito a passeata e vandalismo, se necessário. Ugly is beautiful!

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