24.08.2014
Entre 25% e 90% das pessoas infectadas pelo micro-organismo acabam morrendo em decorrência da moléstia
Em 2005, no mesmo ano em que entrava em cartaz o filme "O Jardineiro Fiel", do cineasta brasileiro Fernando Meirelles, pesquisadores encontraram evidências de que o (já àquela altura) temido vírus ebola usavam morcegos como espécie reservatório.
A descoberta feita no Gabão poderia acrescentar mais elementos na busca de uma vacina ou medicamento que protegesse às populações vulneráveis de uma das doenças de maior letalidade registradas nos últimos 100 anos. Entre 25% e 90% das pessoas infectadas com o vírus acabam morrendo em decorrência de febres hemorrágicas.
Mas, a indústria farmacêutica desenvolveu poucas pesquisas no sentido de prevenir ou curar a enfermidade nos últimos nove anos, talvez motivada por fatores mercadológicos, como os contados na trama estrelada por Ralph Fiennes e Rachel Weisz.
O fato é que em apenas cinco meses um novo surto de ebola matou 1.427 pessoas em quatro países: Guiné, Libéria, Serra Leoa e Nigéria, só até a última quarta-feira (20). O número de vítimas em 2014 é praticamente o mesmo registrado em toda a história conhecida do vírus, ou seja, de 1976 para cá. Agora, a África e o mundo como um todo temem que a atual epidemia evolua para uma pandemia.
Para o Doutor em História das Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Pio Penna Filho, há no continente africano um ambiente que favorece a expansão dessas epidemias. "O que temos na África é uma população pobre, países frágeis, uma população que interage com o meio ambiente de uma forma intensa. Ou seja, a relação homem-natureza é muito forte. No caso do ebola, tem essa questão dos morcegos, que fazem parte da dieta de muitos animais selvagens e que são consumidos também por algumas populações do interior, assim como também acontece com as populações do sudeste asiático".
O pesquisador, no entanto, lembra que apesar de contextos específicos africanos, essa doença, como outras que surgiram em regiões tropicais, pode avançar pelo planeta, justamente devido à postura mais reativa que participativa da comunidade internacional, representada sobretudo pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que declarou emergência internacional devido ao ebola, no dia 8 de agosto.
"A reação da comunidade internacional tem sido muito lenta. A OMS está demonstrando, que está apenas sentindo se o surto vai ultrapassar o continente (...) Quanto às respostas à epidemia, em termos de ajuda a esses países atingidos, as iniciativas são tímidas. Quem está na linha de frente são ONGs como o Médicos sem Fronteiras", sublinha Penna Filho.
Quem também concorda que há omissão ocidental com relação ao atual surto é justamente um dos profissionais da organização Médicos sem Fronteiras (MSF), o médico Paulo Reis, que esteve na Guiné e, mais recentemente, em Serra Leoa.
Nessa última nação, mais precisamente na região de Kailahun, ele trabalhou num centro de tratamento mantido pelo MSF e que dispunha de 80 leitos e recebia até dez pacientes confirmadamente com ebola por dia. No fim deste mês, quando ele retornar ao território serra-leonês, a entidade promete abrir oito novos leitos, já temendo o aumento no número de casos.
A média de mortes causadas pelo atual surto da moléstia vem aumentando, de acordo com os três últimos boletins da OMS. Em 16 de agosto, por exemplo, eram 8,36 óbitos por dia. No dia 18, esse número subiu para 9,06 e no último boletim divulgado antes do fechamento dessa reportagem, já chegava a 9,45 mortes por dia. "Uma das diferenças entre essa epidemia em relação às outras é que ela se espalhou por uma grande extensão geográfica o que dificulta o seu controle, porque para combater o Ebola, além do atendimento médico, é preciso acompanhar as pessoas que tiveram contato com os pacientes para evitar que a doença se alastre", explica.
Na mesma linha de raciocínio, a diretora-geral do MSF, Susana de Deus, cobra que "a OMS precisa ampliar sua atuação. Os governos precisam enviar não apenas dinheiro, mas deslocar médicos, especialistas em respostas a emergências, em água e saneamento".
Queda em investimentos
O Doutor em História da África, Edson Borges, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), denuncia que "nos últimos anos tem ocorrido uma queda acentuada de gastos internacionais com a saúde pública mundial (...) quando as grandes corporações da indústria farmacêutica decidem investir milhões de dólares ou euros no desenvolvimento de novos remédios, estes são prioritariamente destinados para consumidores das nações do mundo que podem gastar com remédios caros".
Para aumentar a polêmica, um dos poucos medicamentos promissores no combate à doença, o ZMapp, foi aplicado a dois missionários dos Estados Unidos, contaminado com o ebola na Libéria. A droga experimental foi desenvolvida em parceria entre laboratórios norte-americanos e canadenses com órgãos de saúde desses mesmos dois países e provocou intenso debate sobre a validade de seu uso antes de novos experimentos.
Contudo, o sucesso de sua aplicação nos dois pacientes norte-americanos e a não distribuição do ZMapp a pacientes infectados na África suscitou ainda mais críticas de quem atua nos países atingidos pelo atual surto.
Por que um ser vivo (ou não) pequeno é tão mortal
Para os amantes da biologia, os vírus constituem um dos maiores motivos de debate. Isso porque esse grupo de seres parece estar num limite tênue entre o que pode ser considerado vivo ou não-vivo. Eles são formados por apenas um tipo de ácido nucleico: DNA ou RNA, ao contrário dos outros seres vivos que possuem os dois.
Os vírus compartilham a capacidade de reprodução com animais, plantas, fungos e bactérias. Contudo, diferentemente desses conjuntos de organismos, as partículas virais são inertes fora do ambiente intracelular. Ou seja, é como se eles só estivessem vivos apenas quando estão dentro de seus hospedeiros, ou de partes e fluidos deles. As quatro espécies do gênero Ebolavirus que parasitam humanos, instalam-se notadamente em células endoteliais, que recobrem vasos sanguíneos; os fagócitos, encontrados no sangue e que protegem o corpo de invasores; além dos hepatócitos, células do fígado capazes de sintetizar proteínas.
Com tamanho poder de destruição, o vírus exige cuidados redobrados mesmo de quem lida com os pacientes infectados com ele. O médico Paulo Reis, da organização Médicos Sem Fronteiras, explica que é indispensável aos profissionais de saúde que trabalham com o ebola usar roupas impermeáveis que protejam todo o corpo, incluindo o rosto. Ele relata que "dentro do macacão, com luvas, botas, óculos, a temperatura pode ultrapassar os 40°C. Nessas condições, conseguimos fazer um atendimento, em média, de 40 minutos. Para evitar que algum erro seja cometido, trabalhamos sempre em dupla".
Brasil quer evitar surtos da doença e de boatarias
Não restam dúvidas, entre os especialistas consultados pelo Diário do Nordeste, de que há a necessidade de se controlar a propagação do ebola. As intensas movimentações populacionais contemporâneas colocam em risco mesmo países como o Brasil, separado da África pelo Oceano Atlântico há cerca de 110 milhões de anos.
Mas ao mesmo tempo, em que o País está se preparando para a eventualidade da chegada do vírus, o Ministério da Saúde também alerta para a importância de se evitar a proliferação dos boatos, tão comuns em tempos de redes sociais supervalorizadas. No último dia 15, por exemplo, o órgão federal precisou publicar nota rebatendo falsas informações sobre casos teoricamente registrados no Maranhão. "Com relação aos boatos que estão circulando nas redes sociais e por meio do aplicativo Whatsapp sobre Ebola, o Ministério da Saúde esclarece que não há caso suspeito ou confirmado da doença no Brasil", informava o comunicado.
Citando o medo provocado por outras epidemias históricas, como a peste, a gripe espanhola e a varíola, o Doutor em História da África, Edson Borges, da Unilab, lembra que "é necessário analisar histórica e sociologicamente as doenças, destacando: as representações e percepções sociais das doenças, a constituição de agendas locais, nacionais e mundiais de saúde pública".
Já o Doutor em História das Relações Internacionais, Penna Filho, lembra que "o ebola, nesse contexto epidêmico, é até relativamente fácil de combater". Para ele, o principal fator para o surto atual é mesmo a fragilidade dos países afetados.
Adriano Queiroz
Repórter
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