21.09.2014
Há quatro anos, quase 2,4 milhões de votantes tinham 16 ou 17 anos. Agora, é pouco mais de 1,6 milhão
As manifestações de junho do ano passado tiveram uma presença maciça de adolescentes e jovens adultos. Contudo, o fenômeno, que poderia indicar uma maior conscientização política nesse segmento da população brasileira, não necessariamente resultou num incremento do eleitorado com 16 ou 17 anos, no pleito de 2014.
Os números divulgados no início do mês de agosto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que a mobilização juvenil dos últimos meses não se refletiu em um aumento na quantidade de eleitores adolescentes, na verdade, o que se deu foi o inverso, uma redução. Uma possível explicação para essa aparente contradição é que essa parcela da população, que tem o voto como um direito facultativo, pode estar escolhendo meios alternativos para expressar suas posições políticas e de reivindicar as pautas próprias da juventude.
Nas eleições de 2010, quase 2,4 milhões de votantes em todo o País, tinham 16 ou 17 anos. A população nessa faixa etária, à época daquele pleito, era de aproximadamente 6,8 milhões de pessoas. Neste ano, há praticamente o mesmo número de brasileiros com esse perfil de idade, mas o número de eleitores no mesmo segmento caiu para pouco mais de 1,6 milhão de pessoas. A queda é de quase 33%.
Essa redução é ainda maior se for observada a oscilação que aconteceu nas eleições municipais de 2012. Repetindo tendência dos últimos quatro pleitos, naquele ano houve um aumento no eleitorado adolescente. Cerca de 2,9 milhões de brasileiros com 16 ou 17 anos votaram, segundo o TSE. Ou seja, caso fossem comparados os números de 2014 com os de dois anos atrás, a queda seria de quase 44%.
Pegando apenas os dados do estado do Ceará, a redução também é expressiva: chega a 22% quando se comparam os números de 2010 e 2014 e a 38% na comparação entre os pleitos de 2012 e 2014. Neste ano, pouco mais de 130 mil cearenses com menos de 18 anos estão habilitados para votar.
Para entender o fenômeno da baixa adesão do jovem menor de 18 anos às eleições deste ano, o Diário do Nordeste ouviu analistas políticos que apontaram caminhos para uma maior inserção do jovem, de um modo geral, na vida pública brasileira.
O constitucionalista Valmir Pontes Filho, que é também professor titular da Universidade de Fortaleza (Unifor), disse acreditar que essa redução no eleitorado adolescente "decorre da desilusão da juventude com a classe política, tão enxovalhada por acusações, procedentes ou não, de toda ordem. A atividade política, em si mesma, é essencial para a democracia, e só com a efetiva participação de todos ela poderá ter um nível mais elevado".
Já o Doutor em Ciência Política e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), William James Mello, pondera que "a primeira questão é entender que a participação política não inclui apenas as eleições. Votar é uma atividade que acontece de dois em dois anos, mas a atividade política é permanente e acontece nas organizações, nos movimentos sociais, nas universidades". Ele argumenta que "quando o jovem deixa de votar isso não deve ser entendido como se ele estivesse deixando de ter atividade política".
O também Doutor em Ciência Política, Carlos Sávio Gomes Teixeira, acrescenta que outra razão para o afastamento dos jovens eleitores das urnas é o fato dos "arranjos institucionais da política democrática ocidental em sua maioria privilegiam regras que dificultam a participação política. A democracia representativa precisa ser complementada por práticas de democracia direta".
Teixeira, que é ainda professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), também cita a questão do imaginário negativo formado em torno da política, dialogando com a visão de Pontes Filho. Ele diz acreditar que há uma "campanha" contra a política. "Esse esforço de degradação da atividade política, como se fosse algo repugnante, é responsável por parte do clima de exaustão com a política, até entre os jovens".
A socióloga Fátima Jordão, por sua vez, ao comentar os dados do TSE, lembra que no período em que os jovens entre 16 e 18 anos, tiveram de decidir pela emissão ou não do título de eleitor, "havia um reflexo das manifestações de junho do ano passado. Essas marcaram de tal maneira a vida política nacional, que ocorreram no Brasil inteiro".
A especialista em pesquisas de opinião, que é também conselheira do Instituto Patrícia Galvão, avalia que "esse é um jovem que cresceu no ambiente de consumo de objetos, mas que evoluiu para um consumo de serviços. Ele deixou de ser um cliente para ser um usuário. Isso é um avanço. Eles resolvem seus problemas de consumo na vida privada e possivelmente agora querem algo a mais no coletivo".
Juventude se interessa mais por pleitos municipais
Um fato curioso que pode ser observado ao analisar os números do TSE sobre o voto facultativo do jovem é a oscilação entre o número de eleitores nessa faixa etária, quando são comparados os pleitos municipais com os estaduais e federais.
Embora tenha ocorrido queda no número de eleitores adolescentes entre os pleitos de 2006, 2010 e 2014, nas eleições municipais de 2008 e 2012, foi observado um aumento nessa faixa do eleitorado. Nas duas últimas disputas para vereador e prefeito, cerca de 2,9 milhões de votantes tinham menos de 18 anos. No estado do Ceará, os números são de, respectivamente, 192 e 212 mil eleitores com 16 ou 17 anos, nas duas mais recentes eleições municipais.
Para Valmir Pontes Filho, o jovem acaba optando mais pelo voto em pleitos municipais, "na medida em que ele conhece mais de perto os candidatos e são por estes abordados". Carlos Sávio Gomes Teixeira minimiza, contudo, o fator interesse e destaca mais uma influência direta dos candidatos. "Não creio que o jovem tenha maior preocupação com o município do que com o seu estado e o país. Penso que o motivo seja mais circunstancial: a eleição municipal é a mais controlada de todas", explica.
Por sua vez, William Mello, afirma que "nos municípios, o jovem tem uma relação mais próxima com a política, porque são vereadores e prefeitos que acabam regulamentando questões escolares, esportivas, culturais, de transporte público". Ele lembra que isso explica a origem das manifestações de 2013, que tinham como foco questões que afetavam os jovens diretamente.
Sistema político não dialoga com jovem
Para os analistas entrevistados pelo Diário do Nordeste há deficiências na estrutura do sistema político brasileiro e, de um modo geral, ocidental. A chamada democracia representativa não têm conseguido atrair o jovem nem para votar, nem para ingressar na vida político-partidária.
De acordo com estatísticas divulgadas pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a faixa etária abaixo dos 29 anos responde por cerca de 6,8% das candidaturas a cargos estaduais e federais neste ano. Em contrapartida, esse mesmo segmento representa mais de 50% da população brasileira.
O constitucionalista e professor da Unifor, Valmir Pontes Filho, afirma que "os partidos dão preferência àqueles candidatos que são 'puxadores de votos' ou que dispõem de largos recursos. Não investem, portanto, em novas lideranças, em novos valores que viriam a enriquecer, no bom sentido, a atividade política".
Já o cientista político da Uece, William Mello, diz que "em certa medida, os partidos são responsáveis por não criar vínculos com a juventude, de não regulamentar em seus estatutos e programas, políticas voltadas para esse jovem". Ele sugere que "os partidos têm de se conectar com as escolas e universidades, tem que ter propostas para os fatores que interferem diretamente na vida da juventude. Têm que ter propostas para garantir a geração do primeiro emprego, por exemplo. O que se vê nos debates, nos programas dos candidatos é uma ausência de propostas para juventude".
A socióloga e conselheira do Instituto Patrícia Galvão, Fátima Jordão, é ainda mais incisiva e considera que "os partidos são as instituições mais conservadoras que temos. Podemos dizer que os partidos barram uma integração de segmentos marginalizados, tais como os próprios jovens, as mulheres e os negros. Essa não diversidade representa portas fechadas".
Por fim, o cientista político da UFF, Carlos Sávio Gomes Teixeira, observa que "sem o voto obrigatório metade dos brasileiros cairia fora das eleições (...) A literatura especializada sobre esta questão aponta que as razões da apatia e alheamento político tem relação com um sistema político em que a probabilidade de mudança significativa resultante de eleições e negociações foi reduzida a um mínimo. Isso acarreta imobilismo político que, por sua vez, leva ao crescente desinteresse e descrença na política".
Conteúdo extra: http://svmar.es/1uN08mh
Adriano Queiroz
Repórter
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