sábado, 3 de janeiro de 2015

A Última parada de Mário

Fonte: http://www.opovo.com.br/
02/01/2015
Uma das figuras mais emblemáticas de Fortaleza, o poeta Mário Gomes foi enterrado ontem no cemitério da Parangaba. Na cerimônia, foram lembrados causos e feitas homenagens


FCO FONTENELE
O poeta Mário Gomes: andarilho que escolheu as ruas de Fortaleza como morada
Na tarde de ontem, às 16 horas, familiares, amigos e admiradores do poeta Mário Gomes, 67 anos, se despediram do artista que vivia sua poesia nas ruas. O enterro, realizado no cemitério da Parangaba, reuniu cerca de 30 pessoas que conheceram os versos, as dores e a figura de voz empostada que circulava havia décadas entre refúgios de sua memória afetiva no Centro de Fortaleza.
O “poeta andarilho” faleceu na manhã do dia 31 de dezembro, no Instituto Dr. José Frota (IJF), onde foi internado na segunda-feira após ser encontrado desacordado nas imediações do Centro Dragão do Mar – um dos locais que adotou como lar. Segundo nota do hospital, o poeta se encontrava “em estado grave, desorientado, extremamente debilitado, com um quadro profundo de anemia”.

Mário Gomes foi enterrado ao lado de Francisca Coelho Gomes, a dona Nenzinha, sua mãe, com quem viveu até 2008, ano de morte da ex-costureira. De lá para cá, o principal amparo do artista foram os amigos e as ruas, entre as quais flanava, conversava, bebia, fumava e, por vezes, sofria com o preconceito do público que não o conhecia.

No início da vida adulta, Mário se aposentou por invalidez após controversas internações psiquiátricas, nas quais, entre outras coisas, foi submetido a tratamento de choque. Para José Evilásio Gomes, irmão de Mário, o poeta era, no fundo, um rebelde. “Se a gente tivesse descoberto essa anemia e tentasse dar remédio, ele ia dizer que não queria”, disse. De acordo com ele, o irmão costumava dizer que não precisava de medicamentos - nem para o corpo, nem para a alma. “Ele era muito teimoso. Não queria remédio nem hospital.” E lembrou a vez em que Mário viajou para o Rio de Janeiro (RJ) porque queria trocar uma palavra com outro poeta: Vinícius de Moraes.

Os últimos momentos de Mário Gomes, passados dentro do IJF, foram acompanhados pelo artista visual Tota. 

O amigo conta que, poucas horas antes da morte, o poeta o chamou e disse que queria passar o Réveillon no Dragão do Mar. Após o desejo, porém, veio o desabafo final. “A carcaça está toda acabada: dói tudo. Tô até com vontade de dispensar a carcaça”, versou o poeta. Tota tratou de confortá-lo: “Vai ficar tudo bem”.
 
Desamparo
Mário Gomes foi um misto de herói de resistência e vítima de descaso. Poeta de rua, vivia no limiar entre loucura e sanidade, sobriedade e ebriedade. Pelas mãos dos amigos, publicou oito livros de poesia. Foi premiado por seus versos antropofágicos e obscenos. Ao optar por uma vida de errância, porém, Mário acabou vítima da situação de rua, o que foi exposto após os dois dias desacordado antes da internação.

O artista Cláudio Silva, o Curu, ressalta que Mário Gomes podia viver na rua, mas nunca foi pedinte. “Ele nunca pediu nada – só aceitava o que ofereciam”, explica. Para Curu, Fortaleza devia ter dado muito mais a quem viveu cotidianamente suas ruas. “A gente devia ter ajudado, mas era até da filosofia dele isso de não se envolver. Ele costumava dizer que preferia não trabalhar, que era para não atrapalhar ninguém”, lembra o amigo.

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