09/11/2014
O tempo para a primeira vacina contra a dengue, uma pesquisa de mais de 20 anos, expõe as dificuldades em encontrar soluções para um vírus que atinge 100 milhões de pessoas por ano
SANOFI PASTEUR/DIVULGAÇÃO
Quando um mosquito pica uma pessoa em busca de sangue, é lançada uma espécie de saliva que contém o vírus
Documentada no Brasil em 1981 -com casos registrados em Boa Vista (RR) - a dengue expõe cerca de 40% da população mundial e há registros de 100 milhões de infecções por ano, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Considerada endêmica em países como Guatemala, El Salvador e o próprio Brasil, a dengue foi notificada no Ceará e no Rio de Janeiro desde 1986 de forma continuada. Já são mais de 30 anos desde a documentação da doença no País e algumas pesquisas, realizadas em diversas partes do mundo em busca de uma vacina eficaz contra a dengue, ultrapassam 20 anos de estudos. É o caso da vacina tetravalente da dengue do laboratório francês Sanofi Pasteur, que teve o resultado publicado essa semana, mas já estava sendo pesquisada há mais de 20 anos.
Mas por que é tão difícil encontrar uma vacina que traria um impacto crucial na melhoria da saúde pública no Brasil e em outros países endêmicos? Transmitido por mosquitos de Aedes aegypti e sem um tratamento específico, o vírus da dengue se subdivide em quatro sorotipos - Denv-1, Denv-2, Denv-3 e Denv-4 - e todos podem causar tanto a forma clássica da doença quanto formas mais graves. Mais recentemente, em 2013, foi isolado mais um sorotipo, o Denv-5, na Malásia, em uma epidemia que aconteceu em 2007. O quinto sorotipo, no entanto, não foi mais identificado em humanos e não disseminou para outras partes do planeta. É, justamente, a existência de tantos tipos de vírus causadores da mesma doença que dificulta a fabricação de uma vacina.
“A vacina para a dengue já existe na natureza. Ao contrair a doença, a pessoa fica imune para o resto da vida. O problema é que existe mais outros três tipos e, para se tornar imune, a pessoa teria de ter dengue quatro vezes. É a mesma dificuldade quando falamos da vacina: para uma vacina funcionar, ela tem de reunir todos os vírus e estimular a imunidade de todos no paciente”, detalha Ivo Castelo Branco Coelho, médico, coordenador do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Ceará (UFC), e um dos responsáveis pela classificação das formas da dengue no Brasil.
Dificuldades
As vacinas candidatas e estudadas em diversos laboratórios combinam formas atenuadas dos quatro sorotipos na tentativa de induzir imunização tetravalente nos pacientes. Para Castelo Branco, apesar da solução óbvia, os resultados dificultam o processo. “Às vezes, imuniza de um vírus e de outro não. Ou só imuniza para alguns indivíduos. A uniformidade de proteção não existe, ela varia. É um dos outros problema que a gente tem de enfrentar”, cita o coordenador, que também levanta questionamentos sobre a descoberta do novo tipo de vírus e de como será feita a vacinação em massa.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que desenvolve pesquisas na área há cerca de 15 anos, em seu Manual de Perguntas Frequentes (MPF) sobre a vacina, pontua ainda uma outra dificuldade. “O papel presumido de anticorpos da dengue nas formas mais graves da doença sugere que se uma vacina induzir uma resposta imune inadequada contra a dengue pode, teoricamente, promover formas mais graves da doença”, salienta. (Domitila Andrade/domitilaandrade@opovo.com.br)
SAIBA MAIS
Segundo a Organização Mundial da Saúde (SMS), a dengue atinge mais 2,5 bilhões de pessoas, quase metade da população mundial, e é prioridade de saúde pública urgente em mais de 100 países nas Américas e na Ásia. Todos os anos, cerca de 500 mil pessoas, incluindo crianças, são hospitalizadas devido à dengue grave.
A organização tem por meta reduzir em 50% da mortalidade e em 25% da morbidade por dengue até 2020.
Segundo estudo publicado, em julho, no The Lancet, uma dos mais importantes publicações científicas do mundo, cerca de 2,5% das pessoas infectadas pelo vírus da dengue morrem.
A VACINA
A vacina elaborada pelo laboratório francês Sanofi Pasteur envolveu mais de 31 mil voluntários (na última fase de estudos) em dez países da Ásia e da América Latina e apresentou uma eficácia de 60,8% contra casos sintomáticos de dengue, em crianças e adolescentes de 9 a 16 anos de idade, após um esquema de vacinação de três doses
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