13/10/2013
Pesquisa revelou dados alarmantes sobre o consumo de crack. Os 'zumbis' chegam a manter o vício por cerca de oito anos e 80% quer ajuda para deixar as drogas
Isabel Costaisabelcosta@opovo.com.br
São 370 mil usuários de crack e similares nas capitais brasileiras. Isso corresponde a 0,81% da população dessas cidades. Para além dos números, o levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), encomendado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) e divulgado no fim de setembro, mostrou que a “pedra” é um problema mais difícil de enfrentar do que imaginávamos. E, se o senso comum dizia que o Sudeste concentrava os usuários, a pesquisa veio para mostrar o contrário.
O Nordeste lidera em números absolutos a maioria dos rankings propostos pela análise. Nas capitais da região estão o maior número de usuários regulares, 148 mil, e também a maior quantidade de crianças e adolescentes que consomem crack, 28 mil. O Sudeste, região seguinte na contagem, tem menos da metade disso, 13 mil. Especialistas ouvidos pelo O POVO dizem que a questão está na utilização da droga em locais públicos ou não. Em São Paulo, por exemplo, existe a cracolândia.
Para a médica psiquiatra Analice Gigliotti, os resultados da pesquisa mostraram que o crack não é uma droga que “mata de primeira”. “O estudo revelou que as pessoas ficam usando continuamente e, a cada dia, se degradando mais. O crack já está aí corroendo a sociedade há muito tempo, mas não podemos pensar que é um problema sem solução”, explica.
Analice é chefe do Setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e também possui uma clínica particular em Botafogo, bairro nobre da capital carioca. Segundo ela, não pode mais ser levado em conta o estigma do crack como uma droga de classes menos favorecidas. “No setor público chegam pessoas que estão muito mal. Mas, no setor privado, também atendemos dependentes de crack. Gente de classe alta que é internada e internada novamente. É um vício barra pesada”, afirma.
De fato, a pesquisa revelou que 40% dos usuários regulares moram em imóveis próprios, 55% possuem ensino fundamental, 65% conseguem dinheiro com trabalhos temporários e existe ainda uma minoria, de 4,2%, que tem até trabalho fixo com carteira assinada. O titular da Senad, Vitore Maximiano, admitiu que os resultados são bastante preocupantes e disse que a prevalência do uso de crack nas capitais nordestinas chamou atenção, mas, para ele, o alto número de usuários já era esperado.
“Deveremos intensificar as ações de cuidado, especialmente com a instalação de equipamentos de apoio social e com equipes que fazem o contato de forma ativa com o usuário, oferecendo-lhe tratamento. 80% dos usuários manifestaram desejo de se tratar. Vamos ampliar as ações em todo o País, e ainda mais especialmente nas regiões Nordeste e Sul, onde registramos as maiores prevalências do uso do crack”, pontuou o gestor.
O Ciência & Saúde vai detalhar os resultados da pesquisa e contar histórias de quem buscou tratamento contra o vício. Como a de Joana (nome fictício, foto). Grávida de oito meses, ela passa por tratamento na Unidade de Acolhimento Silas Munguba. Mostraremos ainda o que os especialistas dizem sobre os números. Boa leitura!
O POVO solicitou à Senad dados sobre a utilização de crack em Fortaleza, mas o órgão informou que os índices locais ainda não estão disponíveis.
Números
80% do total de usuários utiliza a substância em espaços públicos
14% dos usuários de crack das capitais são crianças e adolescentes
Serviço
Veja a íntegra da pesquisa pelos links:
Saiba mais
A pesquisa foi realizada entre o fim de 2011 e junho de 2013. Foram enviadas equipes para as 26 capitais, o Distrito Federal, municípios de grande porte das regiões metropolitanas e para uma amostra de cidades de pequeno e médio porte. No total, 7.381 pessoas foram entrevistadas pela Fiocruz.
As equipes de campo recrutavam os usuários de crack que consumissem a droga com regularidade (25 dias nos últimos seis meses, segundo definição da Organização Panamericana de Saúde – Opas), e que tivessem 18 anos ou mais. Crianças e adolescentes não foram entrevistados, seguindo a decisão do Comitê de Ética da Fiocruz.
A metodologia da pesquisa é denominada Network Scale-up Method (Nsum). Segundo o documento, esse é o único método estatístico disponível capaz de estimar de forma mais precisa as populações de difícil acesso.
A abordagem é indireta. Não se pergunta diretamente ao entrevistado sobre o seu comportamento, mas sobre o comportamento de outros indivíduos pertencentes à rede de contatos do respondente e residentes no mesmo município.
Nenhum comentário:
Postar um comentário