Fonte: http://diariodonordeste.globo.com
20.10.2013
O protagonismo dos clãs familiares na política reproduz uma lógica patriarcal e clientelista, apontam especialistas
Historicamente marcada por uma cultura patrimonialista, na qual as esferas pública e privada se confundem, a política brasileira ainda é constituída por clãs familiares que, mesmo ocupando espaços de poder nas capitais e grandes centros urbanos, reproduzem uma lógica patriarcal e ruralista imbricada na história política do País. Cientistas políticos ouvidos pelo Diário do Nordeste afirmam que, por ser tratada como profissão, a política é repassada hereditariamente para assegurar a continuidade de determinado grupo político.
O cientista político Rosendo Amorim diz que, no Brasil, a política é encarada como profissão e passada hereditariamente nas famílias Foto: EDILENE VASCONCELLOS
No Ceará, não são poucas as famílias protagonistas dos núcleos de poder, "donas" de partidos e detentoras de expressivos redutos eleitorais em regiões do Estado. Em algumas situações, familiares optam por estar nas mesmas agremiações, como o governador Cid Gomes, que divide o PROS com os irmãos Ciro Gomes, secretário da Saúde do Ceará, e Ivo Gomes, secretário de Educação de Fortaleza.
Durante muito tempo, o vice-governador Domingos Filho e a esposa, Patrícia Aguiar, que já foi prefeita de Tauá, estavam filiados ao PMDB, enquanto o filho do casal, Domingos Neto, titular da Secretaria Especial da Copa de Fortaleza e deputado federal licenciado, pertencia ao PSB. Hoje, pai e filho estão no mesmo partido, o PROS, mas Patrícia continua no PMDB.
Conveniências
O prefeito de Sobral, Veveu Arruda, integra o PT. A esposa, Izolda Cela, secretária da Educação do Ceará, filiou-se recentemente ao PROS do governador Cid Gomes. Apesar de estarem em partidos diferentes, o casal pertence ao mesmo grupo político, tendo em vista que o PT de Arruda é aliado ao Governo do Estado. Além disso, o núcleo do partido em Sobral, reduto da família Ferreira Gomes, sofre forte influência do governador cearense.
O cientista político Rosendo Amorim, professor da Universidade de Fortaleza, explica que a acomodação das lideranças de uma mesma família nos partidos se dá conforme as conveniências do momento. "Eles se ajustam, vão para um partido porque é mais oportuno", alega.
Para Rosendo Amorim, a estrutura política atual, a despeito de ter passado por uma série de mudanças, reflete aspectos do tradicionalismo. "Mesmo com as mudanças da família contemporânea, existem muitos elementos da chamada família tradicional. As que estão na política têm esse viés. As pessoas vêm do Interior e trazem essa cultura paternalista, clientelista", aponta.
Na opinião do cientista político, as lideranças brasileiras fazem da política uma carreira, e não uma prestação de contas à sociedade. "O que se percebe é que, na política profissional, tem gente que entra e nunca mais sai e alça cargos sempre mais elevados. Às vezes, quando não conseguem se eleger porque o clã está passando por alguma crise, aquelas lideranças ocupam cargos de secretários, por exemplo. No Brasil, os cargos de confiança são usados como barganha", diz.
Emancipação feminina
O papel da mulher no tripé "política, família e poder" merece atenção especial. Embaladas pelo discurso da emancipação feminina, muitas delas encararam os palanques. Entretanto, por trás dessa igualdade de gênero, foram camuflados interesses patriarcais: esposas e filhas de caciques políticos foram lançadas candidatas, mas sempre à sombra de uma figura masculina para legitimá-las ao eleitorado.
Em Caucaia, o ex-deputado federal José Gerardo Arruda conseguiu emplacar candidatura pelo PMDB do filho Gera Arruda, suplente na Câmara Federal; da filha Lívia Arruda, que foi deputada estadual na legislatura passada, e da esposa, Inês Arruda, atualmente suplente na Assembleia Legislativa. Todos utilizam o sobrenome de José Gerardo.
Sobre a participação feminina na política, a professora Carla Michelle, da Faculdade Integrada do Ceará, reforça que a maioria das candidatas é eleita a partir do histórico político de um homem. "Do ponto de vista da participação feminina no Nordeste, se essa mulher não sai dos movimentos sociais, sai ou do pai ou do marido. Eles acabam administrando e ela fica mais como figura ilustrativa", analisa.
A especialista também opina que a renovação parlamentar que existe não representa mudança política. "Quando olha para as pessoas, ou são da mesma família consanguínea ou da mesma família política". E acrescenta: "é uma renovação só de nomes, mas não de projetos. É uma transmissão de cargos".
O cientista político Thiago Sampaio, da Universidade Federal do Pampa, esclarece que, apesar de a legislação limitar práticas de nepotismo, os políticos usam estratégias para burlar a lei. Para o especialista, os caciques políticos apoiam candidaturas de familiares porque conseguem transferir votos aos apadrinhados. "Ainda se mantém na política a transferência de capital político aos parentes", diz.
Questionado sobre a flexibilidade das famílias nas agremiações, Thiago Sampaio relata que a falta de identidade das legendas torna secundária a filiação dos clãs políticos. Dessa forma, o eleitorado não fica atento às movimentações dessas lideranças no troca-troca de siglas. "Isso se deve muito à fragilidade da identificação partidária no país. Se houvesse uma identificação forte, o eleitor perceberia essa distorção que existe", esclarece.
Para exemplificar alguns políticos que têm familiares entre os aliados, o deputado José Guimarães é irmão de José Genuíno, deputado federal por São Paulo. Ambos são do PT. O senador Eunício Oliveira (PMDB) é tio do peemedebista Danniel Oliveira, que é deputado estadual. O ex-secretário da Fazenda Mauro Filho (PROS), que assume vaga na Assembleia, é filho do deputado Mauro Benevides (PMDB).
O deputado Manoel Duca, filiado ao Solidariedade, é irmão do deputado federal Aníbal Gomes (PMDB). Já o líder do Governo na Assembleia Legislativa, José Sarto, é irmão do vereador Elpídio Nogueira. Ambos saíram do PSB e se filiaram ao PROS.
LORENA ALVES
REPÓRTER
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