sábado, 4 de outubro de 2014

IMORTAL Estrigas, o homem baobá

Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/
04.10.2014
O artista plástico cearense faleceu na última quinta-feira (2), silenciando o seu sítio no Mondubim

estrigas
Estrigas já havia garantido sua imortalidade,pela qualidade da obra e de seus escritos
Há 45 anos, o artista plástico Nilo Estrigas plantou no seu sítio localizado no bairro Mondubim um baobá, árvore de raízes fortes e com capacidade de viver durante séculos. O que era uma pequena muda cresceu ao longo das décadas como a relação que tinha com a esposa, a também artista plástica Nice Firmeza, falecida em abril do ano passado, com quem foi casado por quase 60 anos.
Mesmo sem a companheira, Estrigas continuou trabalhando, chegando a inaugurar a exposição "95 anos Estrigas", com 20 aquarelas pintadas nos últimos meses, há pouco mais de duas semanas. Na abertura da exposição, o artista plástico também lançou o livro "Hoje e o tempo passado - O encontro com as lembranças", uma obra que combina reflexões e memórias, produzida entre 2013 e 2014. Ciente de sua transitoriedade, organizou seu legado para que fosse disponibilizado à sociedade.
"Pude acompanhá-lo bem de perto nessa fase final da vida, depois que a tia Nice se foi. Vi como ele preparou todos os detalhes de sua partida", diz Rachel Gadelha, produtora cultural e sobrinha de Estrigas. Assim como a árvore que plantou em seu sítio, o legado artístico de Estrigas também é vistoso, longevo e cheio de ramificações. Ciente desse simbolismo, instruiu à família que seu corpo fosse cremado e as cinzas depositadas aos pés do baobá, adubado durante décadas por ele próprio.
Para a escritora Ângela Gutiérrez, o artista plástico era um "mestre da simplicidade", que compartilhava com generosidade o conhecimento que tinha. "Ele era de uma sabedoria imensa. Tudo o que ele falava era sempre dito como se estivesse sobre as coisas do cotidiano", relembra. A escritora diz que sua ligação com Estrigas vem de berço, já que seus pais eram amigos do casal de artistas. "Eu cresci brincando naqueles jardins cheios de árvores e admirava o baobá. É um pedaço de mim que também vai com ele", diz. "Para mim, o sítio é como se fosse a Escola de Atenas, um local cheio de pessoas sábias sempre em torno do Estrigas".
Institucional
"Estrigas nos deixa um exemplo de vida. Com ele, se vão quase um terço da história desta cidade. Sem ele, não teríamos, definitivamente, chegado tão longe", lamentou Magela Lima, titular da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfot). "Bom mesmo seria tê-lo aqui para sempre, mas até as estrelas alguma hora precisam de descanso. E Estrigas, como poucos, brilhou profundamente. Ficamos tristes, mas, não, às escuras", reiterou.
Já para o titular da pasta estadual de Cultura, Paulo Mamede, o legado de Estrigas é "imensurável". Pela sensibilidade que pôs em tudo o que fez, e não só pelo talento, mas também pelo compromisso com as artes e a educação para a cultura.
A Universidade Federal do Ceará foi o depositário de inúmeras obras de arte doadas pelo artista, que, como educador e memorialista, reconhecia na instituição acadêmica a guardiã ideal dos tesouros que adquiriu ao longo de sua carreira, confiando a ela toda a coleção que detinha do artista plástico Antônio Bandeira. "Com a partida do mestre, este cenário empobrece. Daí nosso sentido pesar, que hoje se soma ao luto dos amantes das artes no Ceará", disse Jesualdo Pereira, reitor da entidade em nota enviada à imprensa.
Técnica
Estrigas transitava pela figura e pelo abstrato, sempre preocupado com a modernidade. "Fazia uma pintura que sugeria mais do que dizia", diz o pesquisador Gilmar de Carvalho. "Exigia do receptor um papel de co-autor. Seus trabalhos são polissêmicos e dão lugar a muitas interpretações. Creio que todo grande artista persegue esta polissemia, ela dá a grandeza de uma obra, como a do Estrigas", detalha.
Figura sempre presente no sítio do Mondubim, Gilmar ressalta a simplicidade com que o artista plástico vivia com a sua esposa. "Seu atelier era minimalista, com os pincéis expostos. A gente precisava se abaixar para adentrar àquele lugar especial, que era a cara dele"
"Estou indo para minha grande viagem. Não me perguntem detalhes. Não poderei dizer", disse o homem que agora é baobá pouco antes de partir. Um final belo e digno de quem viveu seus dias sempre cercado de afeto de amigos e familiares.
Leonardo Bezerra
Repórter

Um comentário:

  1. Mais uma alma genial que parte daqui. Pelo menos o fruto da genialidade permanece. Que a reconheçamos, então!

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