domingo, 30 de agosto de 2015

Gentileza. A vida que os muros baixos das casas revelam

Fonte: http://www.opovo.com.br/
30/08/2015
Elas se diferenciam na Fortaleza que se isola do ambiente externo. Estar mais exposto à rua é também aproveitar o contato com as pessoas e conservar hábitos da vizinhança próxima


FOTOS EVILÁZIO BEZERRA
Maria José Aguiar, 59, mora na Praia de Iracema e insiste em manter a casa com muros baixos. O zelo pelo jardim e a decoração do local chamam atenção de quem passa
Urbanices
Sair da sala de estar e já estar em contato com o mundo de fora. A sensação resta aos moradores de Fortaleza que continuam, por motivos diversos, sem a barreira dos muros altos à frente das casas. Os recantos da Cidade que resistem à elevação dos muros e ao isolamento ainda sentem viva a diversidade da rua. E como espaço de todos, ela traz de tudo. “A gente vê hábitos do tempo dos nossos pais, da vida de antigamente. Vem gente pedir prato de comida, tem a vizinhança com relações mais próximas e que se encontra sempre”, relata Danielle Ferreira, uma das moradoras da rua João Gentil, no Benfica.

Do passado de sentar do lado de fora e ir às portas pedir um utensílio emprestado, pouca coisa mudou no entorno da Praça da Gentilândia. Ali, com mescla de muros altos e baixos, as portas das casas costumam ficar abertas, enquanto os portões da frente se trancam. Na região, os vizinhos têm como hábito se juntar em festinhas na calçada aos domingos e conversar enquanto crianças e animais de estimação saem para brincar. “A gente se conhece, sabe a família de cada casa. Triscou num (dos vizinhos), corre todo mundo”, orgulha-se a funcionária pública Maria Rosemary de Oliveira, 58.

Ela mora há mais de 30 anos no imóvel deixado pelos pais na rua Waldery Uchoa. Afirma que a decisão em deixar a casa visível é de realçar a arquitetura do local construído há mais de 70 anos. Seria possível morar em apartamento? A resposta vem com um “Deus me livre!”. A vizinha e amiga Danielle ajuda a explicar: “Eu teria a sensação de estar presa, longe das pessoas”.
RODRIGO CARVALHO
Euza mora em uma casa com muros baixos no São João do Tauape

Na Praia de Iracema, a casa de Maria José Aguiar, 59, desperta elogios dos conhecidos. Mesmo depois de elevar alguns centímetros do muro e trocar o portão da frente por um maior. Na casa de muro baixo, o zelo pelo jardim e a decoração chamam atenção de quem passa. “Às vezes, param para perguntar se eu vendo jarros”, comenta a enfermeira. Passar a tarde na calçada e ver o movimento da rua era hábito da tia de Maria José, antiga moradora da casa. A sobrinha ficou com outros costumes e se diz mais reclusa. “Conheço as pessoas, mas é aquele hábito de se ver e se cumprimentar. É a correria da gente que trabalha”, justifica.
Na rua Padre Francisco Pinto, no Benfica, resistem casas sem grades, muros ou portões muito altos

Conversar com moradores nas casas mais expostas na rua é, inevitavelmente, ouvir as preocupações com a violência urbana. No bairro São João do Tauape, grades e mais uns metros de tijolo não estão nos planos da aposentada Euza Maria Rodrigues, 67. É que, apesar do medo confesso, ela imagina que as mudanças trariam um aspecto de prisão. “Numa casinha pequena, rodear de muro é se sentir sufocado. Acho ela linda como é”, assegura. No cotidiano de portas fechadas, Euza lamenta a sensação de insegurança na rua onde mora há 50 anos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário