domingo, 17 de maio de 2015

O som e o sabor da chegadinha

Fonte: http://www.opovo.com.br/
17/05/2015



CAMILA DE ALMEIDA
Eranildo Cordeiro há mais de 20 anos vende chegadinha e percorre uma média de 25 quilômetros por dia anunciando o produto
Basta o som do triângulo no meio dessa Fortaleza. Mesmo que a cidade tenha crescido, e a buzina esteja mais alta, e o cachorro lata forte, e a obra siga. Se o ouvido percebe o tilintar do ferro no outro, passam junto lembranças, carregam-se memórias. É sabor de infância, da carreira imediata rumo ao portão da casa da vó, da tia, de quem quer que fosse, quando o vendedor, ainda que no silêncio da boca, anunciava: é chegada a chegadinha.

A receita leva farinha, goma, açúcar, água e persistência. Quem compra lamenta estar mais difícil achar hoje um vendedor na rua. Quem insiste no ofício garante: manter a tradição é tarefa penosa. “Não é todo mundo que tem coragem de se levantar às 4h30min todo dia pra ficar na quentura até umas 10h30min, na frente da máquina. É trabalho pesado”, descreve Francisco Eranildo Cordeiro, 40, há mais de 20 anos na profissão.

A quentura vem do carvão que mantém as chapas aquecidas. Nelas, a massa vira as folhinhas doces que com o tempo passaram a ser embaladas. “Exigência dos próprios clientes”, diz Eranildo. No passado, o cilindro que transporta os produtos era de zinco. “Agora a gente compra inox e manda fazer a lata. É apropriada pra trabalhar com comida, não tem perigo de amolecer ou quebrar a chegadinha”. 
Mas o esforço da produção é só a primeira parte da batalha diária.

Depois que o corpo esfria, é banho, almoço e rua. Do Planalto Vitória, onde mora com a mulher e duas filhas, para a Aldeota, de ônibus. É pelo bairro que a andança começa por volta das 3 horas da tarde e segue até depois que o sol se põe.

Uma média de 20 a 30 quilômetros a pé, de terça-feira a sábado. “Domingo é o melhor dia, mas uma vez fui assaltado perto da Igreja da Sé e fiquei cismado. Botei na cabeça que ia tirar pro lazer com minha família”. Quando chegou em Fortaleza, vindo de Itatira a convite de um primo que fabricava e vendia chegadinha, Eranildo sequer sabia do que se tratava o doce. “Naquela angústia ia fazendo e comendo, na curiosidade de matar o desejo”.

FamíliaA folha que por vezes desmancha na boca pode ter versões mais crocantes, como a adaptação na receita realizada por Danilo Souza, 23. “As outras são que nem hóstia. A nossa parece uma casquinha. Ficou crocante, dá pra comer com sorvete”, conta. O jovem é mestre de obras durante o dia e, pela noite, faz tele-entrega de moto no Bom Jardim e região, principalmente, mas a depender do cliente chega a outros bairros.

O negócio envolve a mãe Laura, que produz numa chapa elétrica, e o padrasto Amaurílio de Oliveira, que trabalha na Prefeitura mas ainda fabrica na chapa com carvão e vende pelas ruas do bairro. “Não é um lucro exagerado, mas ajudou na construção da casa, a comprar terreno, celular, aparelho de DVD e ter coisas por fora”.

A meta é continuar investindo no negócio até que ele seja a única fonte de renda da família. “Já pensei em abrir um ponto fixo, mas devagarzinho a gente chega lá. A tele-entrega já é um passo a frente. Nosso objetivo é expandir”.

Para Eranildo, a tradição da chegadinha não acaba tão cedo. “Isso aqui é para filhos e netos, por parte de quem faz e de quem vende. É um saindo e outros entrando. Vejo como uma arte que Deus me deu. E a gente vai ‘simbora’”, com a lata nas costas e o “tengue-lengue-tengue-lengue” do triângulo no meio do mundo.

Serviço
Erinaldo - 9838 8422 / 9254 5051 / 8687 5184
Danilo - 8652 0778 

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