19.07.2014
Conselho de Segurança da ONU aprovou pedido de investigação internacional "completa e independente"
Nova York. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse ontem ter evidências de que o avião da Malaysia Airlines foi derrubado "por um míssil terra-ar lançado de uma área no leste da Ucrânia que é controlada por separatistas apoiados pela Rússia".
A queda do Boeing-777, que ia de Amsterdã para Kuala Lumpur, capital da Malásia, deixou 298 mortos. Obama classificou o episódio como uma "tragédia global" e um "ultraje de proporções indescritíveis".
Apesar de evitar envolver diretamente Moscou na autoria do ataque, o presidente americano disse ser "impossível" que os rebeldes estejam agindo dessa forma sem o apoio bélico "constante" da Rússia. "Um grupo de separatistas não pode derrubar aviões de transporte militar ou, como eles alegam, derrubar caças sem equipamento e treinamento sofisticados. E isso tem vindo da Rússia", disse Obama, destacando três aeronaves militares da Ucrânia que teriam sido abatidas pelos rebeldes nas últimas semanas.
Pouco antes, a embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Samantha Power, havia subido mais o tom contra Moscou, alegando que "não se pode descartar a assistência de pessoal russo para operar os sistemas" de mísseis envolvidos.
"Por causa da complexidade técnica do SA-11 (como é chamado pela Otan o míssil russo 9K37 Buk, que teria sido empregado no ataque), é improvável que os separatistas possam ter efetivamente operado o sistema sem a ajuda de pessoal especializado", disse Power em reunião do Conselho de Segurança da ONU.
Em Nova York, o Conselho aprovou um pedido de investigação internacional "completa e independente", além do acesso de investigadores ao local.
Ontem, Obama anunciou ter enviado à Ucrânia agentes do FBI e do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes.
Maior pressão
A queda do avião acirra ainda mais a tensão entre Washington e Moscou. Um dia antes da tragédia, os EUA haviam anunciado novas sanções à Rússia por "violar a soberania da Ucrânia e continuar a apoiar separatistas".
Ontem, Obama ameaçou aumentar a pressão sobre Moscou. "Enquanto a Rússia seguir seus esforços de ajudar os separatistas, vamos deixar claro que temos a capacidade de endurecer contra eles. E vamos fazê-lo". Para ele, o episódio também serve de alerta para que países europeus considerem reforçar sanções à Rússia.
O presidente russo, Vladimir Putin - que não havia respondido às declarações de Obama até a conclusão desta edição-, também pediu ontem um cessar-fogo entre separatistas e tropas ucranianas. "Todos os lados do conflito têm de interromper rapidamente a luta e começar as negociações de paz", disse Putin.
Pelo menos um norte-americano estava entre os 298 mortos.
Cenário da tragédia
O maior ataque da história contra um avião comercial espalhou corpos ao longo de quilômetros do território dominado pelos rebeldes perto da fronteira com a Rússia. Bandeiras brancas improvisadas marcaram os locais onde os cadáveres foram encontrados em meio aos destroços e em plantações de milho.
Kiev e Moscou se acusaram imediatamente pelo desastre, desencadeando uma nova fase em sua guerra de propaganda.
O avião caiu a cerca de 40 quilômetros da fronteira russa, perto da capital regional de Donetsk, área que se tornou um bastião dos rebeldes que vêm combatendo forças do governo ucraniano e que abateram aeronaves militares recentemente.
Líderes da auto-proclamada República do Povo de Donetsk negaram qualquer envolvimento no ataque e disseram que um jato da força aérea ucraniana abateu o voo intercontinental.
Provas
A Ucrânia divulgou ontem um áudio em que supostos separatistas pró-Rússia são flagrados debatendo a queda de um avião. Nas conversas, um interlocutor questiona se havia armas a bordo, ao que outro responde só ter encontrado "objetos civis".
Segundo especialistas de inteligência e defesa ocidentais, os separatistas estão apagando da internet fotos e comentários que podem ser interpretados como elo entre eles e a queda do avião. Conforme o jornal britânico "Guardian', postagens que indicavam que um avião militar ucraniano havia sido derrubado em horário próximo do da queda do voo MH17 foram apagadas. Também desapareceram fotos e vídeos que mostravam o deslocamento de, aparentemente, um Buk em direção a uma área entre Snizhne e Torez que está sob controle rebelde e que fica perto do local da queda.
Voo MH17: o que pode ter ocorrido
Embora menos misteriosa que o caso envolvendo outro avião da Malaysia Airlines, a queda do voo MH-17, no leste da Ucrânia, ainda está cercada de incertezas, especulações e acusações.
O mais preocupante nesse incidente, no entanto, é que ao contrário do desaparecimento do voo MH370, em março, a mais recente tragédia aérea pode ter repercussões e implicações muito mais graves.
O problema é que o desastre ocorreu justamente em uma zona de conflito ativo entre um controverso novo governo ucraniano e um não menos polêmico movimento separatista, ligado a grupos que desejam se integrar à Federação Russa. Como pano de fundo, uma tensão diplomática entre os próprios russos e os Estados Unidos, além de seus aliados na Europa.
Para avaliar as possibilidades de desdobramento das investigações do caso MH-17, o Diário do Nordeste ouviu dois especialistas nessa temática. De acordo com Reginaldo Nasser, Doutor em Ciências Políticas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), "qualquer análise vai depender de quem for a autoria. Se for um ato dos rebeldes separatistas fica mais difícil uma responsabilização, já que eles não se configuram como um estado. Mas aí também vai depender da análise sobre que míssil é esse que os rebeldes tem para atingir um avião a 10 mil metros de altitude".
Para Nasser, "há maior possibilidade de ter sido erro humano, seja de uma parte ou da outra". Ele disse acreditar que há poucas chances de o incidente ter como consequência um confronto entre as grandes potências que disputam a influência sobre a Ucrânia. "Tanto EUA quanto a Rússia têm visto até onde podem ir nessa crise. Essas nações foram até determinado limite e pararam".
Sem enganos
Por outro lado, o Coronel-Aviador da reserva, Sued Lima, pesquisador do Observatório das Nacionalidades, não avalia que possa ter havido um engano na provável ação de derrubada do avião da Malaysia Airlines. "Eu não considero que o ataque foi involuntário. É impossível confundir um avião comercial, em voo de cruzeiro, com um avião militar. É muito fácil identificar esse tipo de voo". Segundo o especialista, "quem lançou o míssil fez isso intencionalmente, para derrubar o avião, e se fez de propósito foi para obter algum tipo de dividendo". Embora analise possibilidade do envolvimento de Ucrânia, Rússia ou dos separatistas da região de Donetsk, Sued Lima não descarta o envolvimento de um quarto ator no caso, que poderia incluir até mesmo a ação de um serviço secreto.
"Há possibilidade de que os atacantes tenham imaginado que o avião fosse o do presidente russo, mas eu não acredito na hipótese de que ele tenha sobrevoado aquela região", afirma.
Grupos lamentam morte de peritos
Melbourne. O universo da pesquisa contra a Aids estava em estado de choque ontem pelo fato de que dezenas de destacados especialistas na área podem ter morrido a bordo do avião que foi derrubado na Ucrânia, provocando um duro golpe nas esperanças de uma cura para a doença. Algumas mortes já foram confirmadas.
Entre eles estava Joep Lange, que pesquisava a doença havia mais de 30 anos e era considerado um das maiores autoridades na área, admirado por sua defesa da garantia do acesso barato a drogas de combate à Aids em países pobres. "Ele é um dos ícones de toda esse campo de pesquisa. Sua perda é imensa", disse Richard Boyd, professor de imunologia na Universidade Monash, de Melbourne.
Estima-se que até 100 pessoas que iam para uma conferência anual sobre Aids em Melbourne se encontravam no voo, noticiou a Fairfax Media, entre eles Lange, ex-presidente da Sociedade Internacional de Aids (SAI), responsável pelo evento. "A cura da Aids poderia estar à bordo daquele avião, simplesmente não sabemos", disse Trevor Stratton, um consultor sobre Aids que já se encontrava em Sydney para um pré-evento, à rede Australia Broadcasting Corp.
A conferência, marcada para começar amanhã, tem entre os principais palestrantes deste ano o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton e são esperados mais de 12 mil participantes.
A SAI ainda trabalhava com as autoridades responsáveis para confirmar o número de conferencistas a bordo do avião.
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