27.07.2014
Com a perda recente de escritores importantes no País, emergem questionamentos sobre o futuro da produção literária
Ariano Suassuna (1927- 2014) faleceu na quarta-feira passada, após sofrer uma parada cardíaca. O País acompanhava minuto a minuto as notícias acerca de seu quadro de saúde, desde que fora internado na segunda-feira, vítima de um acidente vascular cerebral hemorrágico. A morte de Suassuna somou-se a outras três, ocorridas num espaço de 20 de dias, que levou escritores de talento. Foram-se, no dia 3 de julho, Ivan Junqueira (1934-2014), poeta, crítico literário e companheiro de Ariano na Academia Brasileira de Letras (ABL); no dia 18, o prosador João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), também da ABL; e, no dia seguinte, Rubem Alves (1933-2014), pensador que transitava pela psicanálise, educação, teologia e filosofia, além de se dedicar à literatura para jovens leitores.
Autor premiado, Junqueira foi pranteado por um ciclo seleto de leitores e intelectuais familiarizados com sua obra. As mortes de João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna causaram comoções de ordem bem diversa. Os três tinham uma popularidade rara em homens de seu ofício, sobretudo em um país em que, historicamente, lê-se pouco e no qual a cultura é tratada como setor de menor importância. Reportagens retrospectivas na imprensa e depoimentos de leitores nas redes sociais deixam vestígios dessa saudade.
Um discurso corrente nesses depoimentos escancara alguns impasses por que passa a literatura. É aquele que diz serem os grandes escritores um grupo cada vez menos numeroso. E, eis o lado mais trágico da história, não estaríamos vendo o surgimento de substitutos à altura. Já era um indicativo dessa esterilidade o fato de os quatro autores desaparecidos em julho serem todos homens em idade avançada. O caçula, João Ubaldo, já contava 73, enquanto o mais velho, Suassuna, ia longe com seus 87.
A ideia não é nova. Já havia aparecido, aqui e acolá, no começo do ano, quando morreu o colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014). Expoente do chamado realismo fantástico, Gabo era um autor que vendia bem em todo o mundo - incluindo o Brasil - e tinha um peso artístico à altura.
Distorções
Olhar para o quadro da literatura por esse ângulo é se arriscar a ver a questão de maneira distorcida. Não se pode negar o mérito artístico das obras deixadas por Ubaldo e Suassuna. Mas a popularidade de que gozavam era rara e deve se tornar mais ainda - e a razão não é apenas a qualidade da obra em questão.
Há bons escritores por aí, tanto no Brasil como em outros países cujas literaturas chegam até nós com mais regularidade. Mas é preciso se dar conta que um bom escritor nem sempre é um sucesso de público. O próprio Ivan Junqueira foi bem menos pranteado que qualquer um de seus companheiros de infortúnio neste mês sombrio e era um poeta notável, sem chegar a figurar em listas de best-seller ou ganhar especiais na TV. Quantos, como ele, morreram, sem que nos déssemos conta de que o clube dos grandes autores diminuía então um pouco mais?
Há também uma ilusão típica da glória. A consagração de um artista, por vezes, assemelha-se à santificação. É sabido que, quando alguém é canonizado (seja pela Igreja ou apenas pela fé das pessoas), sua vida passa a ser narrada de uma nova forma. Ela ganha um sentido, uma direção, como se fosse inteira um anuncio do que estava por vir.
Um grande artista, assim reconhecido, parece sempre ter gozado desse status de nobreza. Sua obra, também, ganha um olhar condescendente, como se toda ela fosse dotada de qualidades, de maneira homogênea até. Esquece-se o mau livro. É um tanto injusto exigir que um autor jovem, com obra em construção, já tenha os mesmos méritos de um de seus pares mais talentosos, dedicado ao ofício há quatro ou cinco décadas.
É óbvio, no entanto, que não se deve deixar levar pelo otimismo ou pelo excesso de relativismo. Há gerações em que abundam artistas expressivos e de talento pouco comum; em outras, são menos frequentes. Descobrir se estamos numa entressafra ou se nossos ubaldos e suassunas ainda estão por desabrochar não é tarefa fácil, possivelmente inexequível, pois que método seria usado para dizer se esse ou aquele autor é "grande"? A Academia teria uma ou mais respostas a sugerir, mas, entre outros efeitos de uma crise que já acompanha a literatura há décadas, está justamente o afastamento da crítica universitária de questões debatidas na imprensa, por exemplo, e mais ainda do universo das redes sociais.
Dellano Rios
Editor
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