20.07.2014
Contratos de trabalho e pré-nupciais, por exemplo, já trazem cláusulas sobre como se portar no Facebook
Conceitos e fronteiras vêm mudando de lugar com a internet. As implicações dos meios virtuais nas relações humanas vêm se tornando cada vez mais claras, a ponto de provocar pequenas transformações na forma de se relacionar. As redes sociais, por exemplo, são utilizadas por um número cada vez maior de pessoas, interferindo no relacionamento entre elas. Contratos pré-nupciais e de trabalho homologados em cartório já contêm cláusulas que versam sobre comportamentos no Facebook.
Tudo para evitar casos como, por exemplo, a divulgação da imagem do jogador de futebol Neymar dando entrada em uma unidade de saúde em Fortaleza. Normalmente, o compromisso de não expor a empresa está presente em contratos formalizados, muitos comuns no Estado do Ceará nos últimos anos, como afirma o tabelião e secretário do Sindicato dos Notários e Registradores e Distribuidores do Estado do Ceará (Sinoredi), Francisco José Leite.
A lei já mencionava o segredo industrial em que o funcionário de indústrias e do setor farmacêutico não podia divulgar fórmulas de produção sob pena de demissão por justa causa, conforme o advogado e presidente da Comissão de Direito de TI da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará, Renato Torres.
"Os contratos são feitos para resguardar a empresa. Já que o Facebook diz para o usuário que o perfil 'é dele' e não se responsabiliza pelas publicações", afirma o advogado.
O Marco Civil da Internet veio para nortear regras também para as redes sociais. Denúncias anônimas podem ser feitas no Facebook quando da exposição de fotos e vídeos considerados impróprios na visão do delator. A pessoa recebe uma notificação com aviso da denúncia. Além disso, os sites de relacionamento são obrigados a colocar em letras garrafais nos termos de uso como eles vão dispor dos dados e informações pessoais dos usuários.
Diferentemente dos contratos laborais, os pré-nupciais no Brasil servem, especificamente, para dispor sobre o regime matrimonial de bens, não contendo, portanto, cláusulas a respeito de comportamentos na internet. Contudo, na seara dos relacionamentos, as intervenções das redes sociais levam a separações causadas pela superexposição.
Impactos
Conflitos que podem chegar a extremos como a chamada "vingança pornô". "Com raiva em virtude de uma briga, o cônjuge divulga vídeos ou fotos do outro para se vingar. O impacto é muito grande na vida, sobretudo de uma mulher, em um Estado tão machista como o Ceará", explica Renato Torres.
Desentendimentos entre casais são corriqueiros no Facebook. Como o de Samara Garcia (nome fictício), que teve acesso a mensagens comprometedoras do seu ex-namorado. "Eram mulheres marcando encontros, e ele agia como se fosse descompromissado". Para ela, as relações ficaram mais frágeis com o uso das redes sociais.
Já Angelina Martins (nome fictício) teve vários problemas com o antigo namorado no Facebook por conta de ciúmes dele. Chegou a cancelar o perfil repetidas vezes a fim de evitar monitoramentos. "Ele conseguiu a senha e vasculhou a minha conta, mas não encontrou nada".
As dificuldades nos relacionamentos sempre existiram em outros espaços, como lembra o psicólogo, terapeuta de casais e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Álvaro Rebouças. "Ficou mais fácil perceber conflitos na internet. Se por um lado temos o ganho da comunicação, por outro veio o ônus de lidar com aspectos negativos das novas mídias", comenta.
O problema, segundo o psicólogo, é a dificuldade de estabelecer parâmetros. O maior dano, para ele, é a ausência de um espaço pessoal. "Estamos perdendo o que é próprio em detrimento de algo coletivo". Além disso, dentro das redes há a perda da interação puramente humana que passa a ser mediada pelo espaço virtual.
Outra desvantagem é a construção de relações imaginárias. Casais que se separam têm solicitado aos amigos em comum que optem por um dos cônjuges para manter uma amizade. O propósito é atender necessidades.
Empresas como ambientes online
Não só grandes males trouxeram as redes sociais. As ferramentas são hoje bem úteis ao trabalho de divulgação, principalmente de empresas.
Conforme o Quartel Digital, que mexe com capacitação em Marketing Digital e Gestão, a adesão às redes sociais só aumenta, e parte dela está estreando na internet não mais pelos meios tradicionais, mas através de celulares e outros dispositivos móveis.
"Já sabemos que estar conectado a alguma rede se tornou tarefa fundamental para a empresa. Encontrar e ser encontrado são os grandes desafios. Nós que trabalhamos com Marketing Digital sabemos que as mídias sociais podem ser grandes aliadas para fortalecer o nome da instituição. A marca precisa ter um ativo bem forte dentro da empresa. É aí onde ela ganha força e corpo para se expandir", afirma a social media do Quartel Digital, Lara Brayner.
Plataformas digitais fazem parte de estratégias de marketing. Esse tipo de ferramenta utilizada como divulgação de marcas vem dando muito certo.
De acordo com Lara, várias empresas têm se especializado e vem conquistando muitos clientes. A questão está na estratégia usada, a maioria acha que apenas estar na internet basta, e isso é um equívoco.
"Conheço o caso de uma padaria que antes não tinha muita visibilidade no meio virtual. Estava lá, mas não usava nenhum estratagema. Investiu em um curso de marketing digital e hoje mudou totalmente sua estratégia e vem crescendo cada vez mais", exemplifica.
Investimentos
Visibilidade consegue aquele que se destaca. Investir na internet é uma questão de visão, como aponta a social media. "As empresas estão se tornando cada vez mais ambientes online, principalmente com o crescimento do e-commerce. Então, na guerra das marcas, vence aquele que estiver melhor preparado", pontua.
Fora isso, as redes sociais colaboram com a interação entre homem e espaço urbano. A globalização da interação é possível, atualmente, em virtude da internet. A circulação e, portanto, a democratização da informação são também de grande primazia.
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
É necessário 'fatiar' espaços na internet
É necessário 'fatiar' espaços na internet
Uma primeira mudança das redes sociais diz respeito ao fato mais amplo de que a Internet (leia-se: os computadores ligados em rede) permite a mescla entre o espaço privado (a casa do internauta) e o espaço público (o ciberespaço). Isso é importante de ser lembrado, porque implica que o sujeito necessite ter em mente que esses espaços (privado e público) se misturam. Ou seja: mesmo em casa, ao acessar a Internet, o internauta "sai" de casa.
A partir disso, o internauta deveria "fatiar" diferentes espaços na Internet: um espaço voltado aos amigos e familiares, um espaço profissional e assim por diante. Sim, isso parece um pouco "esquizofrênico", mas parece-me que isso seja importante: do mesmo modo que a pessoa se comporta conforme cada ambiente e/ou situação (não fazemos e/ou não falamos numa festa as mesmas coisas que fazemos em casa, em tese), o mesmo vale para os diferentes "espaços virtuais" que a pessoa gerencia.
O que se pode perceber é que, de um lado, temos pessoas que não "medem" o teor de suas palavras e ações. Por que isso ocorre? Costumo dizer que estamos vivenciando uma espécie de "autismo virtual", no qual consumimos apenas o que nos interessa e interagimos apenas como que selecionamos. Paradoxo: podemos interagir com quaisquer pessoas, de qualquer lugar, mas tendemos a nos agruparmos, a convivermos com quem pense igual a nós, por isso alguns ficam à vontade com pensamentos "politicamente incorretos" na rede.
Podemos dizer ainda que as redes sociais "democratizam" a aparição do indivíduo. Quando falamos em comunicação de massa, temos de lembrar que poucos personagens têm acesso a esse espaço massivo (políticos, artistas, jornalistas, economistas etc.); com as redes sociais, todo mundo que tem acesso à Internet potencialmente pode se tornar visível. Mas a "qualidade" dessa visibilidade depende da quantidade de conexões (ligações, amizades) que o indivíduo consegue acumular. Isso pode levar a pessoa a aceitar interações com desconhecidos, sujeitos fakes e afins, em nome de uma certa popularidade.
O ser humano tende a querer se expor, até para que se sinta "existente" na esfera da Internet. E, para que isso aconteça, às vezes o indivíduo faz de tudo para se sentir "existente". As redes sociais são sujeitas a mudanças, obviamente. Elas dependem tanto daquilo que os sujeitos fazem quanto daquilo que elas possibilitam aos indivíduos fazerem. O Orkut foi um sucesso em países como o Brasil e depois ficou relativamente "esquecido"; ao mesmo tempo, outros espaços, como o MySpace, não gozaram de popularidade. Ou seja: novas redes vão surgir, obviamente.
Ricardo JORGE
Professor da UFC e doutor em Comunicação
Professor da UFC e doutor em Comunicação
Lina Moscoso
Repórter
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