POR 06 NOV 2015 - 14H 49
Quando se pensa na Grécia Antiga, período que abrange desde 1100 a.C. até à dominação romana em 146 a.C., é comum nos vir à mente importantes filósofos, como Platão, Aristóteles e Sócrates. Também pensamos na democracia grega e nas importantes manifestações culturais nas artes visuais, artes cênicas, literatura, música, teatro e arquitetura.
Mas nem só legados positivos foram deixados por essa população. Há um aspecto sombrio, uma crença difundida entre a sociedade grega sobre a existência de demônios e fantasmas que personificavam os medos mais terríveis das pessoas. Este temor era muito retratado nas peças clássicas, que representavam assassinatos e mortes.
Sem dúvidas, o costume que melhor demonstrava este lado perturbador era o ritual “Pharmakos”, uma cerimônia que sobreviveu por séculos, mas ainda guarda muitos detalhes ocultos.
Em tempos de crise, guerra e pragas, quando a sociedade temia por sua sobrevivência, cada cidade deveria escolher o seu habitante mais feio – é muito provável que “feio” neste contexto significasse alguém com alguma deformidade. Os escolhidos seriam nomeados pharmakos e serviriam como uma espécie de bode-expiatório, alguém em quem recaem as culpas alheias.
Durante a cerimônia, que durava dias, os pharmakos eram muito bem alimentados com as iguarias mais requintadas disponível na época, como figos, bolos e queijo. Também usavam boas vestimentas e colares com figos pretos e brancos, simbolizando homens e mulheres.
O objetivo da cerimônia era livrar a comunidade das desgraças e isso era feito com a expulsão do escolhido da cidade. Durante o percurso, o pharmakos era perseguido e apedrejado, podendo ser sacrificado pela população. Outros elementos eram arremessados, como bulbos de cebola e alho, que, na fé popular, repeliam o miasma, os maus espíritos e a má sorte.
O ritual era tão popular que se tornou anual em algumas cidades, como Atenas, onde era realizado durante o festival anual “Thargelia”.
A relação da Grécia com a beleza e o sacrifício
A sociedade grega era obcecada pela beleza e pela pureza e os que fugiam destes padrões eram vistos como uma ameaça. As imperfeições físicas poderiam ser vistas até como uma falha moral e, por isso, muitas crianças com deficiências foram abandonadas fora dos muros da cidade.
Há outro ponto importante: a mitologia grega sugere que o sacrifício humano tem o poder de salvar uma comunidade. Assim sendo, o ritual Pharmakos era uma catarse, representando a purificação de toda a sociedade através do sacrifício de seus membros marginalizados.
O termo “pharmakon”, que posteriormente originou a palavra em inglês “pharmacy” (farmácia), significa tanto veneno quanto remédio, o que demonstra o papel ambíguo do ritual: o escolhido era o “culpado” por todos os males, mas também o salvador. O sacrifício não libertava a cidade dos tempos difíceis, mas aliviava as tensões sociais que se acumulavam durante a crise.
A prática foi extinguida e seria impensável nos dias de hoje. Por isso, algumas pessoas constroem bonecos de papel machê ou outros materiais, colocando até mesmo partes humanas, como unhas e cabelo, para que a energia ruim do lugar seja removida. Durante a cerimônia, o boneco deve ser queimado, enterrado ou lançado ao mar.
Porém, vale notar que os fundamentos psicológicos da Pharmakos são muito comuns em nossa sociedade. Quantas vezes escolhemos culpados para todos os problemas de uma cidade ou país? Quer um exemplo? Veja as constantes manchetes que mostram os crimes de ódio contra imigrantes.
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